terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Nossas abelhas nativas– exímias polinizadoras - Matéria que saiu no jornal O Estado

Arapuá - Trigona spinipes polinizando uma Crotalaria retusa

Umas das doces lembranças que tenho de minha infância, nas idas à casa de minha vó em Pacajus, era o delicioso mel que ela sempre tinha guardado fruto das nossas abelhas indígenas, fluido, levemente ácido e floral. Mel de jandaíras e Canudos e outras tantas joias aladas especialistas em polinizar nossa flora nativa. A verdade é que as abelhas polinizadoras incansáveis estão desaparecendo, desde o começo dos anos 90 tem se observado o sumiço rápido e até então misterioso no mundo todo. Fato preocupante, dado a importância delas não só pelos produtos que nos fornecem, mas também pelo seu valioso trabalho como polinizadoras, tendo esses agentes um papel chave na manutenção da diversidade, pois são essenciais para a maior parte das plantas com flores, e assim para o próprio ecossistema, sustentando as populações de plantas que muitos outros animais utilizam como alimento e moradia. (Sheperd et al. 2003, Klein et al. 2007). Incluindo aí o próprio homem, estima-se que um terço da alimentação humana dependa direta ou indiretamente da polinização realizada por abelhas. Hoje se sabe que o desaparecimento das abelhas está ligado ao uso de agrotóxicos.
 Nossas abelhas nativas estão numa situação muito pior. Jataís, Uruçus, Tiúbas, Irapuás, Jandaíras, Canudos e outras sofrem com a predação do ambiente, coleta indiscriminada de colônias na natureza ou do mel sem manejo adequado e com o já citado o uso dos agrotóxicos. Outro ponto é lapso cultural muito influenciado pela introdução e criação das abelhas melíferas do gênero Apis, desde o século XVIII, que trouxe junto toda uma bagagem de manejo e criação estabelecida em torno do gênero 500 anos antes na Europa, sufocando de certo modo, o estudo, manejo e criação dos Meliponíneos.
As abelhas sem ferrão das quais estão incluídas nossas abelhas indígenas, são insetos sociais de ampla distribuição geográfica e diversidade.  O conhecimento sobre as abelhas sem ferrão é muito antigo quando comparado com as atividades envolvendo, na América, as abelhas Apis melífera (popularmente chamadas de europeias, italianas ou africanas). Os povos indígenas há séculos se relacionam com os meliponíneos (abelhas nativas), seja criando-os ou explorando-os de forma predatória. Essa herança cultural indígena esta presente até mesmo nos nomes populares das abelhas: Tataíras, Guarupu, Mombuca e tantas outras.  Engraçado que o alimento produzido por elas não pode nem ser chamado de mel. A legislação vigente se baseia em padrões físico-químicos do mel produzido por abelhas estrangeiras. Para ser considerado como mel, o produto das abelhas indígenas deveriam ter umidade máxima de 20% - mas chega a 35% - e pelo menos 65% de açúcares redutores (tem 50%). Culpa de um regulamento de 1952, da época de Getúlio Vargas. (Janaina Fidalgo).

Uma das habilidades especiais das abelhas nativas é a polinização por vibração do abdômen. Trata-se de um interessante e eficiente método de coleta de pólen pelas abelhas em flores com anteras tubulares. Nesse tipo de coleta de pólen, as abelhas usam sua musculatura do abdômen para vibrar as anteras e liberar o pólen.  Cada vez mais é necessário expandir o conhecimento sobre nossas abelhas indígenas e as interações das mesmas com as plantas nativas e agrícolas, esses estudos servirão como base para a conservação desses polinizadores e nos processos por eles desempenhados nos ecossistemas e na agricultura.  Essas preciosidades aladas de grande função ecológica merecem continuar voando por ai polinizando e produzindo esse mel delicioso, obra que alquimista nenhum é capaz de elaborar.





Referências
Nunes-SILVA, PATRICIA; HRNCIR, MICHAEL& IMPERATRIZ-FONSECA, VERA LUCIA. 2010 A Polinização por abdômen. Universidade de São Paulo, 141-143.

VILLAS-BÔAS, JERÔNIMO. 2012. Manual tecnológico Mel abelhas sem ferrão. Instituto sociedade População natureza. 11-19